Nonna Nerina faz um furo no meio da pilha de farinha bem refinada para, de modo muito seguro, quebrar um ovo no meio. Seu público – cinco estranhos assistindo tudo de suas próprias cozinhas – copia seus movimentos. Mês passado, as aulas de culinária dela e de sua neta Chiara Nicolanti fizeram a transição e deixaram de ser umaexperiência offlinepara virar um evento virtual. Foi o melhor mês que elas tiveram, financeiramente falando. "Estamos comendobastantemassa", diz Chiara. Ela e sua avó convidam pessoas de todo o mundo para dentro da sua cozinha no interior da Itália, para que elas possam aprender como fazer massa fresca do zero.
Uma das minhas primeiras lembranças é espiar da escada a cozinha, para ouvir e sentir o cheiro dela cozinhando macarrão.
O formato íntimo, apresentado pelo Google Hangouts e com apenas alguns alunos por aula, facilita a formação desse vínculo que atravessa fronteiras. A maioria vem aprender a cozinhar, diz Chiara, mas as conexões que as pessoas criam, mesmo em isolamento, são igualmente importantes. "No final da experiência", diz Chiara, "em geral deixo as câmeras ligadas, para que as pessoas possam jantar com companhia".
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De volta às suas origens, redescobrindo velhas receitas
Conexão é o conceito essencial doNonna Live, e foi o desejo da Chiara de se reconectar com suas raízes culturais o catalisador desse negócio. Chiara cresceu em Palombara Sabina, uma cidadezinha a 40 minutos de Roma. "Passei a minha infância inteira perto da minha avó", ela diz. "Uma das minhas primeiras lembranças é espiar da escada a cozinha, para ouvir e sentir o cheiro dela cozinhando macarrão".
Quando fez 18 anos, Chiara saiu de casa para buscar uma carreira como atriz e viajou o mundo todo. Mas quando ficou grávida pela primeira vez, desistiu de tudo e voltou para casa. Lá, descobriu que a avó andava muito solitária desde a morte de seu marido, alguns anos antes. Desse modo, como ela já tinha feito tantas vezes na infância, a Chiara criou um vínculo com sua avó através da comida. "Ela me mostrou um mundo que estava morrendo", ela diz, "um mundo formado por uma comunidade de mulheres e técnicas manuais".
Chiara começou a compartilhar a história e as técnicas culinárias da Nonna Nerina com um blog, antes de ser convidada para fazer parte da Experiência Airbnb, um marketplace administrado por gente do mundo todo. Nos últimos três anos, as aulas da Nonna Nerina atraíram visitantes para uma região que antes não tinha muito turismo. Grupos de até 20 pessoas chegavam de trem na cidadezinha, faziam um passeio a pé e aprendiam a verdadeira cozinha italiana com uma especialista: sua avó de 84 anos acostumada a sempre fazer massa do zero.
Nonna Nerina, a grande força do Nonna Live, nasceu antes da Segunda Guerra e passou a infância trabalhando nos campos ao redor da sua cidade. Ela aprendeu a ler, mas grande parte da sua educação se deu trabalhando duro por muitas e muitas horas. No entanto, ela só tem lembranças boas dessa época. "Quando as pessoas perguntam sobre a infância dela, ela diz que a guerra estava acontecendo na porta de casa, mas que lá dentro só tinha paz, sempre", diz Chiara. Sobre a guerra, Nerina se lembra da voz de seu pai cantando – que ela lembra com muito mais clareza do que qualquer som de bomba.
Toda avó acha que seu macarrão é o melhor do mundo, é claro.
Nonna Nerina usa exclusivamente técnicas do Velho Mundo para fazer massa, e passou essas habilidades para sua neta. "Na Itália, cada região tem sua própria maneira de fazer massa", diz Chiara. "E toda avó acha que seu macarrão é o melhor do mundo, é claro".
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O amigo que virou parceiro comercial tinha uma visão
Há dois anos e meio, Chiara e Nonna Nerina hospedaram Brent Freeman em uma das suas experiências culinárias para uma pessoa. As famílias logo se tornaram amigas. "Ele tentou roubar minha avó", brinca Chiara. Brent é dono daStealth Venture Labs, uma incubadora de marketing digital em São Francisco que vem criando lojas virtuais Shopify nos últimos oito anos. Há alguns meses, Brent e Chiara se juntaram para conversar sobre uma nova visão das experiências da Nonna Nerina: aulas virtuais. "A gente queria lançar um modo novo de viajar sem sair de casa", diz Chiara. Os dois começaram a planejar como levar a Nonna para a internet. "Estava óbvio que isso ia funcionar", diz Brent, "mas era só uma questão de tempo".
O momento ideal, no final das contas, é agora. Em fevereiro, a Itália foi um dos primeiros países a relatar um surto de casos da COVID-19. O governo italiano começou a limitar viagens, colocando algumas cidades em quarentena e cancelando grandes eventos. "[A Chiara] passou de receber 10 a 20 turistas todos os dias para zero", diz Brent. De repente, o plano de mover o negócio para a internet foi adiantado. “Elas tiveram que pensar em umamudança rápidade mentalidade e sobre como tudo isso funciona”.
Um sábado de manhã eu me sentei no computador e em três horas, o Nonna Live estava pronto.
Com a experiência do Brent em montar lojas virtuais, ele entrou em ação no começo de março. "Um sábado de manhã eu me sentei no computador", ele diz, "e em três horas, o Nonna Live estava pronto".
Mesmo antes da pandemia chegar com tudo na Itália, a taxa de desemprego no país estava bem alta,por volta de 10%nos últimos cinco anos. A Itália também reporta uma das mais altas taxas de desemprego entre jovens na União Europeia. "Agora, com a crise, todo mundo está sem emprego", diz Brent. "Todos estão tentando descobrir um modo de se readaptar".
Chiara e Brent adaptaram o negócio por necessidade, mas ele está prosperando nesse novo modelo. Não só garantiu renda para a família da Chiara como criou um modo para outros fazerem o mesmo. "A Chiara virou uma economia para a cidadezinha dela", diz Brent. "O negócio virou um divisor de águas para dar esperança e inspiração às pessoas daqui durante a quarentena".
Uma família abraçando as mudanças – de forma gradual
A COVID-19 não foi o único desafio na adaptação delas para o meio virtual. À princípio, a Nonna Nerina apresentava a maioria das aulas virtuais e, aos 84 anos, ela está bem adaptada a esse esquema. "Ela tem muita determinação", diz Chiara. "Ela nem me escuta. Faz do jeito dela". Tecnologia era algo novo para essa avó, então foi necessário algum tempo para ela entender que as pessoas que estavam ali online podiam ver e escutá-la.
Do apartamento de 65m² que divide com o marido Enrico e dois filhos pequenos, Chiara está apresentando as aulas agora, por conta do isolamento. Quando conversamos, a ligação foi interrompida pela má conexão e por conta dos bebês curiosos. Mas a coisa acaba funcionando. "Felizmente, o Enrico é um editor de áudio e vídeo", diz Brent. "Ele fica atrás das câmeras, tentando entender a coisa toda com muita dedicação". Graças ao fuso-horário, Chiara consegue dar aulas de noite quando as crianças já foram dormir e o horário não movimentado melhora a conexão da internet.
Às vezes você não tem tempo, só tem que ir fazendo. E aí você se adapta, tentando melhorar cada vez mais.
Chiara estava nervosa sobre conduzir as aulas sozinha, sem a especialista, sua avó. Ela ligou para a Nonna pedindo conselhos sobre como fazerpasta. "Eu perguntei como fazerpastae ela respondeu "Ué, boba, você fazpastacomigo desde que nasceu", diz Chiara. "Na realidade, ela tinha razão".
Pratos cheios e um futuro saboroso adiante
Brent diz que ele e Chiara ainda estão ajustando os toques finais. As aulas online têm vendido bem desde o lançamento, mas os dois estão tentando encontrar modos de atender mais pessoas. O ponto central do plano deles é empoderar outrasnonnasda cidade para que possam fazer o mesmo. Muitos jovens perderam o emprego, então há muitas avós com filhos e netos com tempo sobrando. "Outranonname ligou e contou que o filho tinha acabado de perder o emprego", ela diz. "Eu perguntei se ele falava inglês. Depois comprei câmeras e vou ajudá-los a dar aula de culinária online também".
Eles estão fazendo mudanças conforme trabalham, reavaliando o modelo constantemente. "Às vezes você não tem tempo, só tem que ir fazendo", diz Chiara. "E aí você se adapta, tentando melhorar cada vez mais".
Brent deve o sucesso do Nonna Live ao charme das apresentadoras, mas também ao timing. Os negócios que fornecem necessidades humanas básicas – papel higiênico, comida, segurança – prosperaram no começo da pandemia, mas os que oferecem um sentimento de acolhimento e comunidade agora estão começando a ter resultados. "As pessoas estão começando a ficar loucas presas em casa", ele diz. "Como estamos ajudando-as a manter a sanidade? É isso o que a Chiara está oferecendo".
Com um bebê no colo e Enrico ajustando a iluminação atrás da câmera, Chiara se despede, pronta para convidar cinco outros estranhos para dentro de casa. "Eu dou o meu melhor toda noite, é isso", diz Chiara. "Compartilho nossa história e permito que eles experimentem uma parte da Itália, da nossa família e dos segredos culinários da minha avó".
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Imagem principal de Brent Freeman
Sobre a autora
Carolina Walliter é escritora, tradutora, intérprete de conferências e editora-chefe do blog da Shopify em português do Brasil.
Post original em inglês:Dayna Winter
Tradução e localização: Marina Borges
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